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21 de jul. de 2009

A UNE e o PCdoB

Desde os congressos da UNE de 2001 e 2003, a eleição para delegados se tornou cada vez mais antidemocrática. Ao invés de avançar rumo à eleição direta, como cobravam as oposições, a direção majoritária passou a criar mecanismos para diminuir a participação estudantil.

Até o começo do século, um delegado era eleito para um grupo de 200 estudantes de um determinado curso. Depois, o curso elegia mais um delegado a cada fração de 100. Quer dizer, se o curso tivesse até 200 alunos, elegeria um delegado, se tivesse 300, elegeria dois, 400, três, 500, quatro, e assim por diante.

Aos poucos, os critérios foram mudando. Primeiro, para um representante a cada 1.000 alunos de um curso. Esse fórmula passou a privilegiar as universidades privadas, onde a direção majoritária, leia-se PCdoB, têm mais força política. Além do mais, nas privadas o número de estudante é bem maior em relação às universidades públicas, nas quais estão alojadas a maioria das oposições. Sabe-se que as públicas privilegiam cursos menores e mais concorridos, enquanto as pagas abrem verdadeiros "colegiões".

Depois, passou-se ao critério de um delegado para cada 1.000 alunos por universidade. A escolha, na prática, passou a ser censitária, quase uma eleição para o Diretório Central dos Estudantes, com formação de chapa e tudo. A diferença é que a participação é muito menor. Na maioria das universidades, onde não tem oposição consolidada, a eleição sequer existe. Apenas se preenche atas.

Hegemonia

Com essa fórmula, o PCdoB conseguiu manter a hegemonia. Mesmo se não conseguisse ganhar o maior número de delegados, o partido se valia de expedientes nada convencionais para vencer. Como organizadora do evento, a diretoria majoritária (leia-se PCdoB), uma parte interessada na disputa, mandava confeccionar mais crachás para distribuir no congresso.

No Congresso da UNE de 2003, depois de anos atuando separadamente, as várias facções do PT apresentaram condições de formar uma chapa com possibilidade concreta de vencer o PCdoB. A pré-chapa teve participação efetiva do então presidente José Genuíno. Os jovens petistas só não levaram o intento adiante por causa da intervenção do governo federal, que não queria perder um aliado importante. José Dirceu, ocupando o cargo de chefe da Casa Civil, disse não. Com a derrota, o PCdoB perderia seu principal aparelho e abalaria as relações com o governo Lula.

Verdade seja dita, o PCdoB sempre foi mais fiel ao governo Lula do que o próprio PT. Apesar de pequena, a sigla sempre atuou de forma unificada, diferente das várias frentes petistas.

Originário do Partidão (PCB), o PCdoB manteve o princípio de "centralismo democrático" dos partidos comunistas, mas subverteu o sentido. Ficou com o "centralismo" e abandonou o "democrático". Se tornou um partido como qualquer outro, sem democracia interna e guiado por um grupo de coronéis. Mas a unidade e obediência partidária, em detrimento da democracia, permaneceram. E essa propriedade foi importante para manter o apoio ao governo Lula. Pelo menos na UNE, o PT sempre teve que se conformar com a vice-presidência.

A eleição para o Congresso é feita, atualmente, de forma totalmente apolítica. Não se discute os problemas da educação, dos estudantes e do país. O que se faz é uma disputa entre chapas e entre torcidas. Como um Fla x Flu. Cada tese é um torcida. Eleitos os delegados nas escolas, cada grupo trata de financiar os ônibus, conseguir alojamentos e alimentação. As teses, e os torcedores, não se misturam. Na plenária do Congresso, são divididos por faixas e separados por seguranças contratados.

Os delegados não são escolhidos por afinidade política, mas pelas relações de amizade e, até mesmo, sexual. A prática da UJS, a versão juvenil do PCdoB, é encher o pessoal de cachaça antes, durante e depois do congresso. Por isso, não é de se espantar as denúncias públicadas no jornal "Correio Brasiliense".

A dinâmica do Congresso também é feita para não acontecer debates. E, quando ocorrem, cada grupo de discussão tem representantes de cada tese, estrategicamente distribuídos, para rebater um argumento ou simplesmente melar o debate.

A UNE está em crise

Sua degeneração começou pelo menos desde meados da década de 90. Desde a redemocratização, o PCdoB manteve a direção hegemônica da entidade nacional, e da maioria das entidades estaduais, ganhando as eleições indiretas no voto, mesmo com representatividade despencando, e na marra.

Mas, para garantir a legitimidade, precisou abrir cargos na diretoria e absorver todas as tendências políticas do país, passando pelo PFL, PSDB, PTB, PSTU, PCB, PT e outras tendências menores dos mais diversos matizes políticos, incluido trostkystas e stalinistas. Hoje a diretoria conta com quase 90 diretores. Tudo isso para contemplar todos os partidos, suas tendências e as diferenças regionais, de gênero e de opção sexual.

São os chamados "liberados". Ganhando um salário, cada um representa os interesses políticos de suas organizações dentro ou fora da UNE. Trabalham quase em tempo integral para seus próprios partidos. Afinal, com uma composição tão distinta, integrando forças antagônicas, é impossível desenvolver uma política unificada e um programa de ação comum.

Financiamento

Para financiar essa estrutura, que não é pequena, a UNE investiu na confecção e venda das carteirinhas de estudantes a fim de valer o direito de meia-entrada. A carteirinha da UNE ocupou esse monópolio durante muitos anos. Até o governo Fernando Henrique Cardoso acabar com isso e liberar geral. Foi através de medida provisória e no ocaso de seu governo.

Por um lado, a medida afetou a saúde financeira da entidades de base, as uniões estaduais e os DCEs, que viviam com uma porcentagem da venda de cada carteirinha. Era mais do que um direito essas entidades terem a exclusividade da carteirinha, pois essa foi uma bandeira defendida apenas pela UNE e suas afiliadas. Se dependesse dos governos e das associações comerciais e de promoção de eventos, a meia-entrada estaria extinta há muitos anos.

Por outro lado, com o fim do monopólio, qualquer entidade pode agora explorar esse filão, incluindo bancos, as próprias escolas e agências de viagens.

Com a diminuição do seu principal financiamento e o encarecimento das atividades da entidade, a UNE passou a se valer de financiamento público, através de convênios com o MEC, empresas públicas e fundações.

É a instituição do peleguismo estudantil, que, aliás, sempre existiu e vai continuar existindo. Mas, pela primeira vez, a direção majoritária da UNE admite essa posição publicamente. Receber financiamento público, em tese, não é crime ou imoral, e as entidades estudantis também têm esse direito.

Mas desde que isso não seja uma ferramenta exclusiva de financiamento. E sim ligado a projetos específicos e se apresente, depois, uma prestação de contas detalhada. Não deve servir para financiar os diretores das entidades e, por consequência, seus partidos políticos. E, principalmente, que o financiamento não subordine a entidade a interesses políticos do governo de plantão.

As entidades estudantis, para continuar representando bem todos os estudantes brasileiros, devem se comportar de forma autônoma e independente, inclusive financeiramente, dos governos, dos partidos políticos e das administrações universitárias. Sem isso, vão estar representando qualquer coisa, menos os estudantes