Que é Tiririca diante de um Paulo Bauer? Ou em Santa Catarina os palhaços somos nós
O fenômeno da eleição do palhaço Tiririca para deputado federal por São Paulo – com mais de 1,3 milhão de votos – não é uma novidade na política brasileira. Nas duas últimas eleições pelo mesmo Estado, os deputados mais votados foram Enéas Carneiro e Clodovil Hernandes, para ficar em exemplos reais e próximos. Também é similar ao tipo de voto de “Cacarecos” e “Macacos Tiãos”, na época da cédula. Trata-se de uma espécie de voto de protesto às avessas, em que a maior parte do eleitorado deposita o voto naquilo que foge do estereótipo do político tradicional. No caso específico de Tiririca devemos levar em conta ainda a genial tirada – do ponto de vista da propaganda – “pior do que tá não fica”.
Muitos de nós temos responsabilidade nisso. Ou alguns não repetem o tempo todo que a política institucional é uma coisa ruim, feita por gente corrupta e mentirosa? Ao eleitor, o candidato pareceu ao menos ser sincero e irreverente – em tempos que o moralismo e o politicamente correto dão o tom conservador e monótono da política.
Tudo isso é péssimo, não faço aqui uma defesa do palhaço, mas é um acontecimento que tem um certo limite. Primeiro: quase sempre acontece apenas uma vez com o mesmo candidato, pois há toda uma liturgia que envolve o cargo que faz com que o diferente se torne parecido. Segundo, é um fenômeno de eleições proporcionais (vereadores e deputados) não se repetindo nas eleições majoritárias por conta da maior relevância que nossa cultura política dá a esses cargos, e também porque a disputa envolve uma visibilidade só suportável para “iniciados”. Terceiro, ao contrário do que pregam os fatalistas, os mandatos desses parlamentares costumam ser discretos, à sombra dos políticos tradicionais, sendo logo cooptado pela situação ou oposição e, assim, pouco propondo e votando de acordo com a conveniência. Isso é muito ruim, mas não é diferente do que boa parte dos parlamentares faz.
Me incomoda a espécie de indignação, que mais parece um certo “nojinho” de uma classe média que se julga culta e politizada (e de uns “pé-rapados” que se acham classe média) quanto a eleição de Tiririca. Bradam raivosos aos quatro ventos que “o povo não sabe votar”, “é por isso que as coisas não mudam nesse país”, “que depois o povo reclama, mas tem o que merece” e outras coisas piores. Esses quase nunca mencionam que o mesmo estado que elegeu o Tiririca, elegeu e reelegeu Alckmim, Kassab, Serra, Maluf, Pitta, Fleury, Tuma, Quércia etc. Entretanto, não é só paulista que vota mal, precisamos olhar para o nosso próprio umbigo.
Fui professor da rede estadual de Santa Catarina por 5 anos. Imagino – como presenciei em outras eleições – a papagaiada que boa parte dos meus colegas repetiram essa semana entre si e, o mais grave, aos alunos sobre o Tiririca e similares, incapazes de enxergarem a própria realidade. Em Santa Catarina, muitos de nós temos o triste hábito de nos julgarmos superiores ao resto do país. Como se o Sul - e em especial o Estado - fosse mais educado, consciente, independente do governo e, principalmente, trabalhasse mais que o resto do país. Há muito fascismo, racismo e separatismo por essas bandas. Fosse Tiririca eleito em algum Estado do Nordeste, choveriam afirmações preconceituosas por parte dos catarinenses. Ainda assim, sou capaz de apostar que alguém deve ter culpado os nordestinos de São Paulo.
Ora, calma lá. Santa Catarina desde sempre vota muito, muito mal. Talvez seja o eleitorado que mais faça besteira nas urnas do país. Jamais tivemos em Santa Catarina um governo minimamente progressista, capaz de resolver problemas básicos e dividir um pouco a oferta de políticas públicas com os mais pobres. Fomos e continuaremos sendo, de acordo com o resultado eleitoral de 3 de outubro, governado por uma elite das piores, mais mesquinhas e mais corruptas do Brasil. Não por acaso, e aqui vai uma provocação para os que se julgam melhores, somos uma espécie de Piauí do Sul (sem querer desmerecer o Piauí) em muitos aspectos, cito os principais: salário dos professores, democracia nas escolas, saneamento básico, asfalto urbano e rodovias, vagas em ensino superior público, autoritarismo e clientelismo político.
Na região de Jaraguá do Sul, um exemplo que conheço bem, enche o saco a tal “cultura do trabalho”, que está nos hinos, na publicidade, nos discursos, nas bandeiras e nos hábitos. De fato trabalhamos bastante na região. Nem mais nem menos do que em outras do país, como alguns dizem – com exceção dos professores que trabalham 60 horas porque ganham pouco, ainda que alguns mintam dizendo que fazem porque gostam. É sim uma região de operários e, portanto, em sua maioria, uma população de trabalhadores. Pois bem, assim como na última eleição pra prefeito, quem elegemos agora? Alguém que nada tem a ver minimamente com trabalho, um playboy inútil chamado Carlos Chiodini. Sua família, se não bastasse vender combustível caro para todos, já algum tempo tem se beneficiado do poder.
Foi esse mesmo deputado, então suplente, que fez o sórdido papel de assumir a vaga em 2008 para votar a privatização da Previdência dos funcionários públicos, quando a base governista “titular” com medo da reação dos sindicatos pediu licença. Eu estava lá nesse dia, e vi um representante da nossa região se esconder nas salas da ALESC, servindo apenas pra apertar o botão do voto, contra todos nós. Agora, na condição de eleito, terá quatro anos para servir aos interesses da burguesia local e estadual, mas foram os trabalhadores que deram mais que quarenta mil votos a ele.
O pior ficou para o Senado. Vá lá Luiz Henrique da Silveira que, como ex-governador e com a grana que gastou na campanha, tinha que se eleger. Mas a segunda vaga, para um mandato de 8 anos (vejam bem!) ficou com o proto-fascista Paulo Bauer. Ele que não tem lado, era Amin, hoje é o que for governo. Ele que foi por duas vezes secretário de Estado da Educação e só atacou o direito e a dignidade dos trabalhadores. Ajudou a transformar a educação pública do estado na farsa que é hoje, com índices manipulados, muita aparência e pouca qualidade.
A educação em SC só não é pior graça ao esforço dos professores e funcionários de escola. Mas estes estão quase todos, endividados, doentes, sobrecarregados e humilhados. Foi ele quem reduziu a gratificação de triênios, inventou prêmios que nos obrigam a trabalhar doentes e nunca reajustou os salários (para além de incorporar abonos divididos em muitas vezes). Foi ele quem negou os direitos históricos dos educadores (licenças, paridade entre ativos e aposentados). Que proibiu o licenciamento dos professores para cursos de pós-graduação. Que privatizou a merenda escolar: duplicou os gastos e demitiu as merendeiras. Dificultou a contratação de professores substitutos, deixando os alunos sem aula.
Paulo Bauer fechou escolas e negou-se a atender a educação infantil. Foi ele quem não recebeu o SINTE/SC nos últimos 30 meses para tratar as reivindicações do magistério, e que das poucas vezes que recebeu nosso sindicato foi truculento e desrespeitoso. Que tratou a categoria com ameaças, punições e descontos. Que não cumpriu a Lei 170, mantendo as salas de aula superlotadas. Que dificultou a aposentadoria dos professores. Quando secretário também foi sua pasta que promoveu o vergonhoso e famigerado “curso” no Beto Carreiro para seus prepostos. Foi o “nosso” novo senador que quando perguntando por eleições de diretores de escola (dez anos de século XXI e nós nesse atraso) afirmou para a imprensa que professores escolherem diretor de escola era a mesma coisa que o preso escolher o diretor do presídio. Paulo Bauer contratou empresas de outros estados, que respondem processos judiciais, para fornecer a merenda nas escolas catarinenses, tirando recursos de Santa Catarina. E que, quando deputado, manteve em Brasília um funcionário fantasma. Eis o conjunto de sua obra.
Tiririca pode fazer um mandato ruim ou medíocre, improvável que faça algo de bom. Mas, certamente, Chiodini, Colombo, LHS, Pavan e, principalmente, Paulo Bauer já fizeram e vão continuar a fazer mal para o povo catarinense. O palhaço de São Paulo terá sua platéia, que – se livrados do mal – podem ao menos se divertir com ele. Já ouvimos inúmeras histórias de como os palhaços, ao mesmo tempo em que fazem rir, são tristes e melancólicos fora dos picadeiros. Pois bem, em Santa Catarina, os palhaços somos nós, fazendo com que a corja no poder se divirta e sofrendo e chorando por mais quatro ou oito anos.
Nos resta, ao menos, a luta.
Rodrigo Guidini Sonn, ex-professor da rede pública estadual de Santa Catarina e mestrando em Ciências Sociais Aplicadas – UEPG/PR
Cabeçalho 1
10 de out. de 2010
Que é Tiririca diante de um Paulo Bauer?
Publico a seguir a íntegra do artigo do professor Rodrigo Guidini Sonni: